terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Pelourinho moderno - As prisões e o serviço civil obrigatório dos bacharéis em direito

Superlotado e em condições precárias, sistema prisional brasileiro é símbolo dos equívocos da Justiça criminal e precisa de urgente revisão
Como se deu com a escravidão, que somente décadas após o seu fim passou a ser vista de maneira unânime como verdadeira aberração, há de chegar o dia em que quase ninguém entenderá como o Brasil de hoje pôde conviver com o atual sistema carcerário.
Enquanto esse futuro não chega, são ainda poucas as vozes que se levantam contra o horror das cadeias brasileiras. Vez ou outra a prisão de um cidadão mais ilustre rompe a pasmaceira, mas críticas pontuais não bastam; logo o silêncio ressurge e se impõe, cúmplice.
Merece censura constante, entretanto, um sistema prisional que abriga 548 mil pessoas (dados de 2012) onde cabem 311 mil. Não é preciso visitar penitenciárias para verificar a superlotação --ela transparece já na frieza das estatísticas.
Quem conhece a realidade carcerária mais de perto acrescenta tons dramáticos a esse quadro. É o caso do ministro Gilmar Mendes, que, quando presidiu o Supremo Tribunal Federal, visitou presídios em todos os Estados do país.
Em entrevista a esta Folha, Mendes descreve uma situação "de desmando completo, de abandono, de pessoas amontoadas". Lembra que, no Espírito Santo, em 2008, "presos estavam num contêiner. Os de cima faziam necessidades nos que estavam embaixo".
Iniciaram-se, naquele ano, os mutirões carcerários do Conselho Nacional de Justiça. Desde então, foram soltas mais de 45 mil pessoas que não deveriam estar detidas. Uma delas, no Ceará, era mantida presa havia 14 anos sem sequer ter sido julgada, conta Mendes.
Quando não há sentença condenatória, a injustiça esfarela até os discursos linha-dura que clamam pelo encarceramento sumário de bandidos --e existem quase 200 mil presos provisórios no Brasil.
Mesmo quando há decisão definitiva, cumpre anotar --como faz o ministro-- que a lei não permite outras sanções além da restrição da liberdade. Penas cruéis e desumanas, em tese, ficaram para trás com as masmorras medievais.
Os que não se sensibilizam com argumentos de direitos humanos poderiam ao menos perceber que há também um problema de segurança pública. Desamparados da Justiça, os presos são facilmente recrutados pelo crime organizado, que lhes oferece advogados, proteção, assistência à família.
Sem que sejam excludentes, ambas as perspectivas conduzem à mesma conclusão: algo está muito errado na Justiça criminal, numa rede que engloba penitenciárias, juízes, polícias, Ministério Público, Defensoria Pública, além dos Executivos federal e estaduais.
Um serviço civil obrigatório para bacharéis egressos de universidades públicas, como sugere Gilmar Mendes, precisa ser considerado.
É imperativo que a sociedade também se mobilize. As eleições de 2014 são oportunidade para saber o que partidos e candidatos têm a propor sobre esse tema.

Justiça para as massas - A necessidade de valorizar os juízes de primeira instância

HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - O mundo não é perfeito. Injustiças, naturais e provocadas, ocorrem o tempo todo, colocando pessoas em conflito umas com as outras. São situações com as quais temos de lidar e, em sociedades de massa, o melhor modo de fazê-lo é criando sistemas judiciários, em que a disputa é arbitrada por um juiz neutro com legitimidade para impor uma solução às partes.
Faço essas considerações acerca da reforma do Código de Processo Civil, mais especificamente do efeito suspensivo das apelações. Hoje, basta entrar com esse recurso para que a decisão do juiz de primeira instância seja suspensa até que uma corte mais alta a confirme ou modifique.
Inspirado na necessidade de dar rapidez aos processos, o projeto do novo CPC, em análise no Congresso, trazia em seu texto um dispositivo que acabava com isso, mas a Câmara preferiu eliminar o artigo proposto e ficar com o efeito suspensivo. Parece-me um erro grave.
Não é que não existam razões para temer o estrago que uma sentença imprópria possa causar. Ele pode ser enorme, o que de fato recomendaria cautela. O problema é que a decisão absurda surge como uma possibilidade, enquanto a ineficácia e a morosidade do Judiciário têm peso de realidade que a todos afeta. Pior, afeta de modo especialmente perverso, beneficiando os maus pagadores (lista encabeçada pelo poder público).
Se queremos um Judiciário capaz de atender às necessidades de 200 milhões de habitantes, não há alternativa que não reforçar o papel da primeira instância. Suas decisões precisam ter eficácia, e o recurso, em vez de ser parte integrante do processo, como ocorre hoje, deve tornar-se uma ferramenta a ser utilizada apenas por quem ficou realmente inconformado com o resultado e tem bons motivos para pleitear uma revisão.
Simplesmente não faz sentido, lógico nem logístico, contratar um exército de juízes de primeira instância e ignorar suas decisões.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Por falta de presos, Suécia fecha quatro penitenciárias

RICHARD ORANGEDO "GUARDIAN", EM MALMÖ
A Suécia está passando por tamanha queda no número de prisioneiros, nos últimos dois anos, que as autoridades da Justiça do país decidiram fechar quatro prisões e um centro de detenção.
"Vimos um declínio extraordinário no número de detentos", disse Nils Oberg, diretor de Serviços Penitenciários do país. "Agora temos a oportunidade de fechar parte de nossa infraestrutura".
O número de presidiários na Suécia, que vinha se reduzindo em cerca de 1% ao ano desde 2004, caiu 6% de 2011 para 2012 e deve registrar declínio semelhante em 2014.
Como resultado, o serviço penitenciário fechou neste ano prisões nas cidades de Aby, Haja, Bashagen e Kristianstad, duas das quais devem ser vendidas e as duas outras transferidas a outras instituições governamentais para uso temporário.
Oberg declarou que, embora ninguém saiba ao certo por que caiu tanto o número de detentos, ele acredita que a abordagem liberal adotada pela Suécia quanto às prisões, com forte foco na reabilitação de prisioneiros, tenha influenciado o resultado.
Os tribunais suecos vêm aplicando sentenças mais lenientes a delitos relacionados às drogas, depois de uma decisão do supremo tribunal do país em 2011, o que explica ao menos em parte a queda súbita no número de novos presidiários.
De acordo com Oberg, em março deste ano havia 200 pessoas a menos servindo sentenças por crimes relacionados a drogas do que em março do ano passado.
Os serviços penitenciários suecos preservarão a opção de reabrir duas das prisões desativadas caso o número de detentos volte a subir.
Hanns Von Hofer, professor de criminologia na Universidade de Estocolmo, disse que boa parte da queda no número de detentos pode ser atribuída a uma recente mudança de política que favorece regimes de liberdade vigiada em caso de pequenos roubos, delitos relacionados a drogas e crimes violentos.

Fonte: Folha, 14.11.13.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Corrupção com limites - HÉLIO SCHWARTSMAN

SÃO PAULO - "Um mesmo profissional se torna desonesto de uma hora para outra?", perguntou-se o ex-prefeito Gilberto Kassab ao comentar o esquema de fraudes no ISS. É uma questão interessante. Como as pessoas se tornam corruptas?
Não é difícil perceber quais são os incentivos ao logro. No caso em tela, eles se medem na escala das dezenas de milhões de reais. Mas isso não significa que seres humanos não tenham nenhuma defesa contra o vírus da corrupção. Pelo menos duas forças atuam para manter-nos afastados desse gênero de delito.
A primeira, externa, é o temor de ser apanhado e sofrer as sanções legais e sociais correspondentes. No Brasil, infelizmente, a eficácia dos órgãos de controle e da Justiça é tão baixa que, num cálculo estritamente racional, muitas vezes vale a pena roubar. A dificuldade então passa a ser explicar por que a corrupção não é ainda mais generalizada.
Entra aqui a segunda força, que é a autoimagem das pessoas. Sendo interna, ela tem a vantagem de dispensar fiscais e investigadores. O problema é que, como cada qual é juiz de si mesmo, a indulgência corre solta.
O psicólogo Dan Ariely submeteu estudantes a uma série de experimentos em que tinham a oportunidade de burlar regras com diferentes probabilidades de ser pegos e com diversos tamanhos de recompensa envolvidos e concluiu que todo mundo trapaceia --mas com limites.
Para o pesquisador, a desonestidade é o resultado de uma contínua negociação entre o desejo por vantagens materiais e a necessidade que todo indivíduo tem de cultivar uma autoimagem ao menos aceitável. O cérebro resolve o problema impondo um teto aos desvios. Na população estudada por Ariely, as consciências dos estudantes toleravam bem uma burla de até 15%. É uma baliza para a qual ainda conseguiam providenciar uma racionalização que, se não justificava o roubo, pelo menos o fazia parecer menos grave.