terça-feira, 25 de novembro de 2014

Para jornalista, prender usuário de drogas é desperdício

Glenn Greenwald, que revelou espionagem da NSA, virou consultor de grupo que defende regulação e controle de entorpecentes

FERNANDA MENADE SÃO PAULO
O jornalista americano Glenn Greenwald, 47, tornou-se conhecido no ano passado por revelar que a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA) espionava governos, empresas e civis em todo o mundo.
Os documentos lhe foram revelados pelo ex-agente da NSA Edward Snowden, que hoje mora na Rússia, na condição de asilado político.
Quatro anos antes de denunciar a espionagem global americana, Greenwald se notabilizou no debate sobre drogas ao publicar um estudo sobre a descriminalização das drogas em Portugal.
Lá, desde 2001, consumir entorpecentes não é crime, mas uma infração passível de multa e cuja reincidência leva a aconselhamento e tratamento, e não à cadeia.
Nesta segunda (24), ele ingressou na LEAP (Law Enforcement Against Prohibition), organização que pede a substituição da proibição por um sistema de regulação e controle, que julga ser mais eficaz.
Greenwald vai somar a consultoria ao trabalho no blog The Intercept, financiado pelo dono do site eBay Pierre Omydiar. Ele também estrela o documentário "Citizen Four" (sem data de estreia no Brasil), de Laura Poitras, sobre as revelações de Snowden e que estreou nos Estados Unidos em outubro.
Em entrevista à Folha na mesma semana em que o Congresso americano barrou a reforma da espionagem da NSA, o jornalista chamou o presidente Barack Obama de hipócrita. "Ele é um dos vilões dessa história".
Leia trechos a seguir:
Reforma da NSA
Nunca esperei que fosse haver uma reforma de verdade. Desde o 11 de Setembro, o governo usa o terrorismo como desculpa para fazer o que quer. Não esperava que a premissa da vigilância em massa fosse derrotada pelo governo responsável por ela. A pressão virá de outros países, de empresas e de indivíduos.
Obama
Ele tem sido completamente hipócrita. Criticou duramente a NSA em campanha, mas ela está espionando muito mais gente inocente em mais países do que na administração Bush. Obama é um dos vilões dessa história.
Asilo brasileiro a Snowden
As eleições presidenciais no Brasil e os três anos de residência que ele recebeu da Rússia tornaram a questão menos urgente. Mas ainda é importante o Brasil responder, apesar de me parecer que o governo está mais inclinado a reatar relações com os EUA.
Documentário
O filme é importante porque faz com que as pessoas vejam o que aconteceu enquanto estava acontecendo e construam sua opinião sobre o vazamento dos documentos da NSA.
Pesquisa sobre drogas
Em 2008, o instituto Cato [think tank norte-americano] me convidou a fazer uma pesquisa sobre os efeitos da descriminalização em Portugal.
As evidências são impressionantes. Primeiro, que colocar usuários na prisão é contraproducente e um desperdício de recursos. Se você parar de tratar drogas como algo da esfera criminal e passar o caso para a esfera da saúde, pode começar a solucionar o problema em vez de piorá-lo.
Defesa da legalização
Há quase cem anos, os EUA proibiram a produção e o consumo de álcool e criaram uma rede de crime organizado que ganhou muito dinheiro e espalhou crimes relacionados a gangues. Quando o álcool foi legalizado novamente, esse tipo de crime desapareceu. É a mesma coisa com as drogas.
Se você parar de investir tanto dinheiro em processar e prender usuários, terá mais recursos para campanhas educativas e para aconselhamento. Isso fez diminuir o uso entre os mais jovens em Portugal.
Relação com financiador
Encontramos alguém com uma quantidade extraordinária de dinheiro para financiar o blog. Omidyar nunca tentou barrar nenhuma reportagem, mas ele queria fazer parte. [a postagem diz que ele queria ter controle absoluto sobre os gastos, o que inviabilizava certas empreitadas]. Folha, 25.11.2014.