quarta-feira, 9 de abril de 2014

Racionamento de sexo: Em comunidade de Campinas, maridos agressivos ficam sem bilhar, futebol e... na seca

GIOVANNA BALOGH - DE SÃO PAULO
Nada de sexo, cerveja no bar nem partidas de bilhar ou futebol. Para grande parte dos homens, ficar sem apenas um desses itens já é uma verdadeira tortura. Em uma comunidade carente do bairro Jardim Columbia, em Campinas (a 99 km de SP), esse é um perigo constante.
Manter os companheiros "na seca" foi a saída encontrada pelas mulheres do local para puni-los por agressões físicas ou verbais.
A ideia foi reduzir os recorrentes casos de violência doméstica o que, segundo moradores, tem dado certo.
O chamado período de "disciplina", onde os homens são privados de sexo ou qualquer atividade de lazer, dura 15 dias e vale para todas as 200 famílias da comunidade que, por coincidência ou não, chama Menino Chorão.
A líder comunitária e cozinheira Maria do Carmo Pereira de Sousa, 44, diz que no bairro não existe o ditado "em briga de marido e mulher não se mete a colher". "Aqui todo mundo se mete e interfere."
Ela diz que a medida foi adotada há cerca de dois anos e só tem dado resultado porque são as próprias mulheres quem fiscalizam se o castigo está sendo cumprido.
"Se o meu companheiro está em disciplina e toma cerveja no bar com um amigo, a mulher dele vai puni-lo também deixando de fazer sexo com ele", diz Maria do Carmo, que faz reuniões quinzenais com as vizinhas para discutir os casos de agressão.
Ela, que é mais conhecida como Carmem, afirma que também foi vítima de violência doméstica quando vivia em Pernambuco com o pai dos seus sete filhos.
"Apanhei muitos anos sem saber o motivo. Muitas mulheres passam por isso diariamente e não sabem como se defender", diz a líder comunitária que vai contar hoje sobre essa experiência no "I Fórum sobre Violência contra a Mulher: Múltiplos Olhares", a partir das 9h na Unicamp.
Dono do único bar da comunidade, Ualas Conceição dos Santos, 24, diz que nunca agrediu a mulher, mas que vê muitos homens proibidos de frequentar seu estabelecimento. "Aqui quem manda são as mulheres. A disciplina' funciona e acho bom pois as mulheres têm sido muito maltratadas", afirma.
Na comunidade, é difícil achar um homem que fale abertamente que ficou de "castigo". O técnico em refrigeração, Michel Nascimento Barbosa, 23, aprova a "disciplina" e diz que já enfrentou as restrições de lazer e de sexo. "Foi ruim, mas elas estão certas", diz ele, comedido.
REINCIDÊNCIA
Em caso de reincidência, o agressor também pode apanhar. "Ele pode ser amarrado e a mulher bate nele na frente de todo mundo", diz.
Nos casos mais graves, o homem é expulso da comunidade. Segundo ela, já ocorreram quatro expulsões e as vítimas escolhem se desejam ficar no local ou ir embora com o agressor. "Infelizmente, algumas foram com eles."
A delegada Maria Cecília Favero Lopes, da Delegacia de Defesa do Direito da Mulher, desconhecia a justiça feita por conta própria das mulheres do Menino Chorão.
Segundo ela, a recomendação é que as vítimas de violência doméstica denunciem os casos e, se for necessário, solicitem medida protetiva prevista na Lei Maria da Penha. "O homem que for agredido pela mulher também deve procurar uma delegacia e relatar o caso", diz a delegada.
De acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 2012, foram registrados 3.108 casos de lesão corporal dolosa na DDM de Campinas. No ano passado, foram 2.242 ocorrências. A pasta não divulgou, no entanto, os números deste ano.
De Atenas à África, iniciativa já levou ao fim de guerras
DE SÃO PAULO
A greve de sexo foi a saída encontrada pelas mulheres de Atenas para promover a paz, na comédia de "Lisístrata", do dramaturgo grego Aristófanes, em 411 A.C.
Em guerra contra os espartanos e cercadas pelos inimigos, as atenienses se negaram a fazer sexo com seus maridos enquanto a paz não fosse reestabelecida. Não deu outra, a greve acabou com a guerra.
A ativista liberiana Leymah Gbowe conseguiu fazer em seu país o que mostra a comédia grega. Em 2002, ela lançou a ideia da greve de sexo na Libéria enquanto a guerra civil que seu país enfrentava não chegasse ao fim.
Apelidada de "Guerreira da Paz", Leymah teve sucesso em sua iniciativa e o conflito na Libéria chegou ao fim um ano depois.
Em 2011, Leymah foi uma das três ganhadoras do Prêmio Nobel da Paz.
Folha, 09.04.2014

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